Ciberhumanos?

Bom, prosseguirei com o capítulo “Agentes” do livro “Cultura da Interface” de Steve Johnson mas antes, gostaria de fazer uma pequena observação: ao contrário do que aparente a frequência dos posts, o livro não é nem um pouco longo. São quase 170 páginas, ou seja, bem longe do que os tradicionais romances que lemos para o vestibular. E a escrita do livro é de uma agradabilidade incrível, ou seja, fácil de ler, exemplos claros e cotidianos, etc. O que acontece é que eu tenho uma mania de ler vários livros ao mesmo tempo e às vezes leio mais algum do que outro, por isso que atraso um pouco a leitura desse livro. Ah, desculpem, mas esse post será longo por conta do capítulo ser, talvez, o melhor do livro.

Vamos ao que interessa: nesse capítulo, Johnson trata de uma ferramenta da interface que nos é tão comum em nossos computadores: os agentes inteligentes. Sabe aquele clipezinho (bem simpático, porém ocupa espaço demais) que nos ajuda quando abrimos algum programa do pacote Office? Pois é, ele é um desses agentes. Pode-se dizer agentes aqueles programas que são feitos para fazer algo que nós fazemos. Programas que separam nossos e-mails, que limpam nossas lixeiras, que organizam nossos arquivos, enfim, toda uma gama de coisas que normalmente nós fazemos sozinhos.

Existem dois pontos que Johnson destaca com essa ferramenta. O primeiro é algo que se chama manipulação indireta. Desde que o computador se infiltrou em nossas vidas, o grande destaque foi pelo fato de que manipulamos tudo diretamente. Sim, um dos pilares do computador é justamente o controle que temos das ações. E, como ele defende, toda mudança acarreta consequências que extrapolam nossos modos de vida. Para se ter uma idéia, nunca tivemos um controle tão poderoso de alguma ferramenta de comunicação. Comparamos isso com a invenção do controle remoto, que fez surgir o fenômeno do zapping, mas os dois estão em patamares conceituais bem diversos, que não é o objetivo desse post. Com esses agentes, nossa manipulação direta começa a passar a ser indireta, pois não seremos nós que entraremos no site para ver o e-mail; um programa fará isso ( = Outlook por exemplo). O que acarreta essa simples mudança de atitude na cibercultura? Muita coisa. Mas, a mais profunda, será a forma de nos relacionarmos com o computador e a internet, e consequentemente, com os outros meios de comunicação e com a sociedade.

O segundo ponto, o mais importante, é o potencial que esses agentes podem alcançar. Os programas que citei, que limpam a lixeira, separam e-mails, etc, são apenas a superfície. Imagina um programa que, através de uma análise de dados, prevê sua necessidade? Sim, imagina uma geladeira, que conectada na internet, vê que acabou o leite e pede, via algum site, que entreguem mais? Ou mais aproximando do cotidiano da internet, quantos milhões de sites que você conhece que prometem mandar e-mails contendo notícias personalizadas e de seu interesse sobre determinado assunto? Tudo isso são agentes inteligentes.

Agora, o que Johnson aponta, e tem uma grave consequência, são os perigos que um agente oferece. E eles são denominados de contra-agentes. Por exemplo, tomando a geladeira como objeto, imagina: acabou o leite, a geladeira vai pedir mais para ser entregue. Qual o critério que ela vai utilizar para comprar determinada marca e qual critério vai ser utilizado para determinar aonde ela vai pedir? As respostas mais lógicas seriam: preço, rapidez de entrega, marca de preferência. Mas é aí que entram os contra-agentes. E se a fabricante da geladeira tivesse um acordo com uma marca X ou com uma rede de supermercados Y? Isso muda tudo! Ao invés de pedir uma marca Z, a geladeira pedirá para entregar a marca X. Ao invés de pedir para um supermercado W, pedirá para o supermercado Y. Esse é um exemplo bem simples, mas imaginem isso em uma escala muito mais profunda, quanto isso pode afetar nossas vidas.

Vivemos numa era em que o conteúdo pull ( = nós “puxamos” o conteúdo desejado, exemplo: internet) está bem mais em evidência que o push ( = o conteúdo é “empurrado para nós, exemplo: televisão). Isso muda muita coisa. Com os agentes, parece que temos uma tentativa de ressurreição dos tempos de push. É só olhar nos nossos sites ao redor como esses agentes podem influenciar nas nossas vidas. O que vemos é que os agentes pode deixar muito mais parciais as informações que recebemos.

Para Johnson, não precisamos de ferramentas de push, como os agentes de hoje ( = aliás, podemos considerar o feed como um agente, pois ele manda o conteúdo para nós ao invés de irmos atrás de sua fonte). O que precisamos são de melhores ferramentas de pull. E é aí que a importância da interface reside. Precisamos de interfaces que nos facilitem o fluxo da informação, que não unidirecionem nossas escolhas, que não faça o que não queremos, mesmo que isso aparenta ser muito prático.

Para finalizar, deixo uma reflexão: a teoria da comunicação diz que a humanidade sempre buscou, nos meios, a lei do mínimo esforço: meios que facilitassem nosso entendimento ou nosso conforto ( = o rádio não tinha imagens, por isso era necessário imaginar imagéticamente seu conteúdo. a televisão ganhou soberania com a lei). Mas claro que teríamos consequências, como o lugar-comum do péssimo conteúdo vinculado nos meios. A internet, com toda sua mudança de paradigmas, indo “contrário” ( = porque pode ser sim ou não) dessa lei, conquistou novamente a info-soberania. E agora agentes nos tentam com o mínimo esforço novamente. Lógico que teremos consequências, talvez retrocessos. Não sou contra tecnologias que facilitem nossas vidas, muito pelo contrário. Mas sou favor que façam o que queremos ou que nos facilitem a tomada de escolhas.

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